O OLHAR



Dos diretores João Jardim e Walter Carvalho, o documentário Janela da Alma lançado em 2001, nos apresenta riquíssimos relatos de pessoas com problemas visuais e que nos faz refletir sobre a questão do Olhar.

    Disse José Saramago neste trabalho que, se Romeo de Shakespeare tivesse os olhos de um falcão, jamais se apaixonaria por Julieta. A visão dessa ave é tão profunda que ela consegue ver as coisas com tamanha nitidez mesmo voando a 160 km/h. 

    Sabemos que olhar pode ser condicionado. As pessoas veem o mundo de diferente formas, pois, cada olhar é um limite, uma experiência.

    A visão pode ser gerada através de estímulos dos ouvidos, do cérebro, do estômago, pelas particularidades das diversas subjetividades, alterando o invisível através da imaginação. Quando lemos um livro, não é apenas o que há dentro dele que gera a história, mas também o que adicionamos entre as linhas. A imaginação costura as palavras e nos possibilita visualizar coisas incríveis, que transfiguram o mundo e o impossível. Podemos enxergar pelos olhos da mente o que não vemos pelo sistema sensitivo do organismo.

    O olhar não é passivo. O que vemos é constantemente modificado por nossos conhecimentos, anseios, desejos, emoções, cultura. etc. Ainda que o mundo nos bombardeie com uma cadeia de imagens prontas, imputando uma visão generalizada e modelada, é preciso ReExistir pelo próprio olhar, crítico, curioso e tecendo cadeias de afetividade, evitando uma cegueira da sensibilidade. 
    Nossas emoções ficam codificadas nas imagens e em todas as nossas percepções fazendo com que o olhar não seja apenas a "janela da alma, o espelho do mundo" como citou Leonardo da Vinci, mas, nossa interpretação do mundo, com grande poder de transformação, através das marcas que deixamos nele. 

    O documentário relaciona a ideia do olhar com o mito da caverna de Platão, sugerindo que enxergamos sombras, acreditando que elas são a realidade. Muitas imagens a que somos expostos querem nos vender algo, seja na televisão, nas redes, nas ruas, impedindo-nos de lançar um olhar aleatório, despretensioso sobre as coisas apenas para observar e reparar os detalhes, concentrando-nos apenas naquilo que queremos perceber.
    As emoções, os sentimentos que caminham junto com os sentidos, dão relevância para uma visão de mundo mais completa, seja física ou mental. Estamos sedentos dessa sensibilidade. A superabundância de imagens nos fez incapazes de prestar atenção aos detalhes, de nos emocionarmos com o que é simples, perdendo-nos de nós mesmos, da nossa relação com o mundo, entrando mais fundo na caverna do platão.

Nunca senti falta da visão. A visão interior é a que a gente desenvolve mais. Onde o ser humano enxerga mais, é na testa. A visão dos olhos atrapalha a visão interior. Tem tanta coisa ruim que atrapalha a visão certa. (Hermeto Paschoal)

    Interpretando o mundo, narramos sobre ele. O texto "O grande mentiroso" da autora Janaina Amado, conta-nos a historia de um de seus entrevistados, o Sr Fernandes que ao relatar a Revolta do Formoso, conflito camponês no interior de Goiás, fez de uma forma muito particular. Sr Fernandes recriou a revolta, relacionando os eventos e aspectos da vida interior de Goiás com a obra Dom Quixote. A autora reflete sobre a relação da História com aquilo que é vivido, experenciado, guardado na Memória, dizendo que o que é recordado, é carregado de significados, mostrando que essas duas instancias são interdependentes. Era o olhar de Fernandes sobre a Revolta do Formoso.

O mundo pode ser mais belo quando despertamos nossos sentidos sobre ele, seguindo-nos pela intuição, delicadeza e pelo coração, compreendendo-o, assimilando, percebendo e criando. “O pior cego é aquele que não quer ver”



 

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