A PIPOCA!

Nestes últimos dias, tenho lido minhas agendas antigas e em uma delas encontrei uma folha com um incrível texto do Rubem Alves, um escritor que admiro muito. No texto, Robem Alves escreve sobre a transformação que acontece com um milho de pipoca fazendo uma bela analogia com a vida. Recebi o texto em uma prova do professor Waldemar Milanez, que leciona o curso de Filosofia na Universidade São Francisco. Aprecie...

"As comidas, para mim são entidades oníricas. Provocam minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi isso que me aconteceu.
            A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Um dia desses, conversando com um paciente, ele mencionou a pipoca. Algo inesperado aconteceu na minha mente. Minhas idéias começaram a estourar como pipoca. Percebi a relação metafórica entre pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada, imprevisível.
            A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu, agricultor ignorante, mandava arrancar aquelas espigas nanicas que aparecessem no meio dos meus milhos graúdos. Sob o ponto de vista do tamanho, a pipoca não pode competir com os milhos normais. Houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, para que os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Como a experiência fracassou, tentou gordura. O que aconteceu ninguém poderia ter imaginado. Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela. De grãos duros, transformavam-se em flores brancas e macias. Até as crianças podiam comê-las. De simples operação culinária, o estouro da pipoca se transformou numa festa, numa brincadeira. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
            Mas o que isso significa? A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo de grande transformação porque devem passar os homens para que venham a ser o eu que devem ser. O milho da pipoca não é o que devem ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro.
            O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa – voltar a ser crianças!
            Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Grão de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser pipoca para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo, fica do mesmo jeito a vida inteira. São as pessoas de uma mesmice e uma dureza assombrosa. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, um filho, ficar doente, pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão, sofrimentos. Há o recurso dos remédios que apagam o sofrimento. Sem fogo o sofrimento diminui e também diminui a possibilidade da grande transformação.
            A pipoca dentro da panela talvez pense que sua hora chegou: vai morrer. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada e do que é capaz. Pelo poder do fogo acontece a grande transformação.
            Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca é representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro da pipoca. Deixa-se de ser um jeito para ser outro. Há pipocas que não estouram e que denominamos piruás. Metaforicamente podemos dizer que “piruás” são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Acham que não pode existir coisa mais maravilhosa que o jeito delas serem. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria a ninguém. Os piruás que ficam no fundo da panela não servem para nada. Seu destino é o lixo!
            Quanto às pipocas que estouram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira... Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente o que aconteceu".

                                                                                                     (RUBEM ALVES)

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